|
Em Família foi o maior fracasso das 21h |
Império estrou no dia
21 de julho de 2014, com a responsabilidade de recuperar a audiência perdida
com o maior fracasso do horário nobre Em
Família, não era uma tarefa das mais justas, afinal, como atrair os
telespectadores após tantos meses de marasmo? A equipe de marketing da Rede
Globo decidiu investir pesado na divulgação de sua nova novela com chamadas
eletrizantes. Após terem gravado as cenas iniciais, a personagem de Drica
Moraes foi a primeira a ser apresentada ao público.
|
Cora, detentora do poder da maldade |
“A chamada foi tão
impactante que pensei na hora: ‘finalmente uma vilã que iria destronar
Carminha’, eu já conhecia o trabalho da Drica de produções anteriores, por
isso, aguardava com muita ansiedade o dia da estreia”, comentou Rafael Venâncio,
autor do romance A Prostituta. O escritor se mostrou surpreso com a
apresentação: “'O poder da maldade: quem tem, acha que pode tudo’. Sem dúvida
alguma, o que fez me interessar por Império foi esta frase, cujo efeito é de
arrepiar: a maldade vista como um poder a ser exercido por alguém que,
presumivelmente, é inteiramente guiado por ele. Aí, após esse incrível achado,
uma risada maligna, sem explicação do porque, faz surgir à imagem de Cora, o
nome não é citado, pois é algo que somente o telespectador deve ler, enquanto a
face da personagem é mostrada, caracterizando o desconhecimento e completa
ausência do amor e da compaixão que o narrador revela. Interessante notar que,
em 34 segundos, muitas informações são repassadas: o olhar cruel é o primeiro;
um caderno é fechado por aquela mulher; outra mulher que baixa a cabeça de
forma melancólica, evidenciando profunda tristeza. A cena é mudada, as duas
mulheres estão sobre uma cama, sendo que a mais forte retira das mãos da outra
um papel que, a todo custo, a doente quer destruir. ‘Você é fraga até na hora
de morrer!’, quem, por Deus, diria algo assim para uma pessoa num leito,
provavelmente, morrendo? Com certeza alguém possuidor do poder da maldade. Aí,
nos lembramos do que é maldade: ausência de amor, de compaixão, que faz com que
as atitudes sejam cruéis, ou seja, quem tem acha que pode tudo. ‘Burra,
egoísta! Burra, idiota!’ e, como que para confirmar nossa concepção, a convalescente,
diz: ‘Você é má, Cora... ’ de fato, diante de tais provas, ela era má,
perversa, sim, era ela a egoísta, mas não burra, nem idiota. A revolta nas
palavras era quase palpável, como se ela tivesse chegado ao seu limite, como se
a vida a tivesse moldado da pior forma possível. E a câmera se aproxima e nos
mostra suas rugas, sua idade, sua pobreza. Apesar de não conhecer sentimentos
bons, aquela mulher ‘guarda um segredo... ’ (a imagem é simultânea, veloz: um
homem, sobre um penhasco, de braços abertos, não percebe o que se aproxima é aquela
cujo poder é o da maldade; o caderno é fechado, em uma atitude de decisão )
‘capaz de abalar um Império’. Outra voz, de alguém que está abalada
emocionalmente. ‘Um segredo?’ esta pessoa indaga confusa. A carta é aberta,
letras constam nela, lágrimas descem dos olhos da destinatária. ‘Lê essa carta,
que tua vida vai mudar da água pro vinho’, diz a ambiciosa Cora, seriamente”,
descreve.
|
Escritor Rafael Venâncio se impressionou com as chamadas. |
Império foi dividida em
duas partes, mas sua cena inicial era ambientada nos dias atuais, com Alexandre
Nero e Andreia Horta sobrevoando o Monte Roraime. José Alfredo decide caminhar
um pouco, sozinho, e neste momento recorda-se de que, quando tinha 22 anos
de idade, pisara ali pela primeira vez. Repetindo a frase de que fora a partir
daquele momento que sua vida iniciou, a câmera gira e a imagem muda para o
jovem José Alfredo, que aparece batendo na porta de alguém. Uma mulher, desconfiada, o atende, indaga quem é e como conhecia Evaldo (Thiago Martins). Outra
mulher de dentro da casa responde, gentilmente, que desde que nasceram, pois eles
eram irmãos. E assim conhecemos Eliane (Vanessa Giácomo),
Evaldo e Cora (Marjorie Estiano). A primeira fase é marcada pelas excelentes
atuações de Marjorie Estiano e Chay Suede que mostram um talento nato em sua
pequena participação.
|
Fábio Garcia propôs uma reinterpretação de Império. |
Este momento inicial, apesar de ser
curto, era ágil e surpreendente, caracterizado pelo realismo no uso de diversos
palavrões e a apresentação de anti-heróis intrigantes. Cora, a vilã da trama,
se mostrou, como ela mesma se descreveu, prática em suas atitudes. Fábio
Garcia, do Blog Coisas de Novela, se colocou do lado da vilã tanto que propôs
uma reinterpretação da trama: “Moça vivida e amargurada por não ter vida sexual
(ah, acontece, né?), Cora começou a perceber que o futuro Comendador dava uns
xavecos furados na sua irmã, e movida por um sentimento decidiu separar o
casal. A novela tenta nos passar que esse sentimento foi recalque e amargura.”
|
José Alfredo e Eliane vivendo uma paixão proibida. |
O bom prelúdio garantiu que, já em seu
segundo capítulo, a trama de Aguinaldo Silva superasse a audiência do primeiro
episódio, conforme noticiado pela redação do site O Planeta TV. Parecia que a
Globo acertou em cheio no elenco, na divulgação, direção e, principalmente, o
autor.
|
Chay Suede na primeira fase: anti-herói. |
Esse átomo durou quatro
capítulos ao todo, a partir da quinta feira, dia 25 de julho de 2014, houve a continuidade da segunda fase, explicando as causas e motivos que levou o
Comendador e sua filha Maria Clara a se dirigirem ao Monte (o ponto de partida). No percurso conhecemos os personagens Téo Pereira (Paulo Betti),
estereótipo da mídia especializada em denigrir a imagem de grandes figuras da
sociedade; Claudio Bolgare (José Mayer), o cerimonialista conceituado, que tem
um caso secreto com um homem jovem, apesar de casado com a compreensiva e
ponderada Beatriz (Suzy Rego); Maria Isis (Marina Ruy Barbosa), amante do
comendador; os três filhos destes, devidamente individualizados em suas
personalidades e Maria Marta (Lilian Cabral), esposa e cúmplice de José Alfredo
bem como aristocrata preconceituosa e impiedosa.
|
Maria Marta, uma aristocrata impiedosa. |
Enquanto isso, no Bairro de Santa
Teresa, o telespectador retornava a antiga casa, que há vinte anos, havia sido
o lugar onde o comendador conhecera seu único e verdadeiro amor. O lar agora era habitado pelas irmãs Cora e Eliane, bem como os filhos desta última: a
batalhadora Cristina (Leandra Leal) e o irresponsável e displicente Elivaldo
(Rafael Rosso) que corria o risco de perder a guarda do filho para a mãe Tuane
(Nanda Costa), motivo pelo qual Eliane cai enferma e, a beira da morte, é
atormentada por Cora que tenta convencê-la a revelar a Cristina que ela era
filha de um milionário. Para dramatizar e dar a Drica um maior destaque, Eliane
se recusou a fazê-lo, visto que não desejava que sua família se aproximasse de
José Alfredo e não descobrisse que a mesma traíra o marido em sua própria casa
com o irmão dele. Cora, contrariada, revela seu ódio pela irmã e nega-lhe
auxilio em seus últimos momentos.
|
Cora negou auxilio a irmã convalescente. |
As duas tramas se encaixam
perfeitamente, culminando para sua união que se aproximava a cada capítulo. Maria Marta se via na difícil tarefa de proteger o filho primogênito da
culpabilidade do atropelamento que ele causou a caminho de sua residência em
Petropólis. Agindo como uma vilã detentora do poder do dinheiro, manipulou os
fatos e silenciou a chantagista Lorraine (Dani Barros) que se apresentou como
uma contingência a ser resolvida logo que possível. Império se mostrava uma
novela clássica, ou, nas palavras do autor, um
novelão. Não era para menos, a audiência devia ser recuperada, era essa a
grande missão de Silva.
|
Drama da personagem Juju Popular resolvido em pouco tempo. |
Mas, o enredo ágil e interessante, não
se sustentou por muito tempo, após a morte de Eliane, fato ocorrido na segunda
semana, Cristina procurou seu pai e foi humilhada, sem nenhum motivo aparente, por ele, a partir deste momento, a novela entrou num ciclo interminável de
repetições onde Cora insistia que a sobrinha reclamasse a herança, Maria Marta
se humanizava e os núcleos secundários perdiam a pouca importância que tinham,
como foi o caso da história da rainha de bateria Juju Popular (Cris Viana) e o
drama de Elivaldo: ambos se resolveram de forma rápida e sem profundidade. De
acordo com Silva, em entrevista ao site O Globo, as tramas secundárias, que não
estavam ligados a corte medieval pós-moderna ou estavam dentro dela, porém, sem
nenhuma participação significativa, eram bem mais fáceis de se solucionar: “Os da corte e os de fora das muralhas tinham seus dramas pessoais, que podiam ser retomados, e resolvidos ou encerrados, a qualquer momento”, disse ele se referindo ao demais personagens que não moravam no apartamento do comendador. Em pouco tempo, a aclamada novela das 21h foi alvo de diversas criticas, principalmente de seu público, o que se manifestou em sua audiência que chegou a marcar, num dia de sábado, somente 24 pontos no IBOPE. Mas, se é bem verdade que Império foi depreciada, não deixou de conquistar telespectadores e críticos fiéis que defendiam o bom desenvolvimento do núcleo principal, encabeçado por Alexandre Nero. Na opinião do comentarista Sérgio Santos do Blog De Olho nos Detalhes, o ator ganhou o melhor personagem de sua carreira, o motivo pelo qual também teceu elogios a atuação e crescimento das personagens de Lilian Cabral e Marjorie Estiano que, por motivos de força maior, retornou a trama substituindo Drica Moraes, como uma Cora rejuvenescida. Além dele, o colunista Jeferson
Cardoso, afirmou que Império tinha um ritmo alucinante e era uma novela de
gosto popular que agradava o telespectador, ambos, entretanto, concordavam que
os dramas paralelos, de fato, atrapalharam um pouco.
Para Fábio Garcia e Rafael Venâncio, contudo,
o erro estava na trama principal: “Aguinaldinho Silva prometeu mundos e fundos.
Prometeu uma novela moderna, só que também prometeu uma trama tradicional.
Anunciou com pompa duas vilãs, mas entregou apenas ¼ do prato combinado. E a
tal história inédita nada mais foi do que um reboot de
“Suave Veneno”, antigo fracasso
do autor da década de 90”, alfineta Fábio, sarcasticamente, na matéria intitulada
Mesmo trocando atriz, Império é aquilo
lá.
|
Para Rafael e Fábio o erro estava na trama central. |
O romancista complementa:
“Foi como se Aguinaldo entrasse num beco sem
saída, onde ele tinha atrizes sensacionais (Drica Morais e Lilia Cabral), um
enredo empolgante (a disputa da esposa com o marido pelo controle do Império),
uma vilã que entraria pra história com suas maldades (Cora, a irmã cruel, a tia
manipuladora, interesseira) e uma mocinha correta (Cristina, a sofredora), mas
ele preferiu jogar tudo para o alto.” Rafael
aponta, em sua análise, que não muito tempo depois, o novelista se
perdeu completamente do enredo que havia criado e seus personagens, antes
interessantes, se tornaram passivos (Maria Marta), ridículos (Cora),
simbióticos (os três filhos do comendador), certinhos (Cristina). “Não há outra
explicação que não seja esta: ele se perdeu e, por consequência, Império, antes
aclamada pelas suas chamadas eletrizantes e primeira fase impecável, hoje não
passa de uma novelinha tosca, medíocre e sem mais nada para apresentar no seu final a não ser um misteriozinho ainda mais tosco (Quem é Fabrício Melgaço?) encabeçado pelo homem das caretas (Maurílio) que tem como vitima o
protagonista Comendador escroto”, conclui o escritor, desapontado.
|
"Aguinaldo a transformou numa personagem patética" |
A maior decepção de Império foi a personagem Cora, interpretada pela Drica Moraes, que tinha todas as credenciais
para entrar na história da teledramaturgia brasileira como uma das maiores
antagonistas vistas, conforme nos fez crer a chamada descrita por Venâncio, mas ela foi se
denegrindo a cada capítulo apresentado. Aguinaldo não sabia o que fazer com
ela. Em entrevista a Veja, quando questionado sobre o mistério da identidade de Fabrício
Melgaço, o autor revelou se tratar se um improviso que não constava na
sinopse original e, aproveitando a oportunidade, justificou tal artificio
explicando que fez esta alteração por causa da saúde da atriz Drica Moraes que, segundo Aguinaldo, havia sido poupada, ainda quando estava no elenco, de
fazer cenas fortes, cabendo-lhe só ingressar no humor. Rafael Venâncio, por sua
vez, não perdoa: “Se a questão fosse a Drica, substituída pela Marjorie, ele
teria feito-a ficar má, mas preferiu desandar e viajar na maionese Oderich,
tornando-a mais patética do que era ao fazê-la ficar doida pra perder o cabaço
com o bigodudo de preto, cujos cabelos são espalhafatosos. Não adianta
responsabilizar a Drica pelas incoerências que o autor mesmo criou, ou, melhor,
improvisou.” Na visão do criador de A Prostituta, Drica não poderia ser culpada
pelo fracasso que Império havia se
transformado.
|
Marjorie retorna a trama como Cora Rejuvenescida. |
Em meios a elogios e desavenças, Império chegou ao seu último capitulo, exibido no dia 13 de março de 2015, totalizando 203 capítulos ininterruptos, com uma boa audiência e desfecho trágico (a morte do protagonista pelas mãos de seu próprio filho), mas, de fato, a obra de Aguinaldo se mostrou decepcionante. O que, é claro, nos faz reviver um aprendizado antigo: Não julgue um livro pela capa ou, contextualizando, não considere uma novela fenomenal pelas chamadas de 34 segundos.