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O anti-heroísmo de Amora confundiu o publico |
“Sangue Bom”, novela
escrita por Maria Adelaide Amaral e Vicent Villari, terminou no dia 01 de
novembro de 2013. Apesar de, em audiência, a trama não ter sido um fenômeno,
acho que, neste momento, não poderia deixar de ressaltar o quão ousada foi ela
e, ao mesmo tempo, apaixonante.
Antes de partir para uma análise crítica, vale dizer, que
essa foi a primeira novela que tive o prazer de acompanhar pela internet, em
vista de, por causa dos estudos e compromissos que pintavam no horário da
exibição, não poder acompanhar, e, sabe, considero ter valido a pena. Desde que
vi a primeira chamada dessa novela senti que iria gostar dela: parecia uma
novela direcionada para jovens, com temas atuais e divertida (bem, parece que
só não fui eu que pensei assim). Claro que, o fato de eu, individualmente, ter
gostado dela não implicou (apesar de torcer para isso) em transformá-la em um
sucesso de audiência. Eu só comecei a acompanhar Sangue Bom dois meses depois
(eu acho, não tenho muita certeza) da estreia! E isso foi por meio da internet
(Deus abençoe o homem que inventou-a).
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Bento e Malu: personagens com sentimentos estranhos |
O que me chamou a atenção logo de cara foi a ousadia dos
autores em botar, assim, na cara dura, uma personagem principal, cujas atitudes
não condiziam com o papel que, tradicionalmente, devia ser ocupado por uma
personagem doce, meiga, batalhadora, abnegada (tonta, idiota, burra), ou seja,
uma anti-heroína. Bem, acredito que todos vocês que me leem agora, saibam do
meu fascínio por anti-heroínas (e por falar nisso não deixem de adquirir “A
Prostituta”, o primeiro romance do escritor Rafael Venâncio), afinal, tal personagem não é uma criatura
sem reação, pelo contrário, para ativar sua esperteza basta pisar nos seus
calos, então, o vilão ou a vilã vai aprender que não se deve prejudicar a todas
as pessoas e se considerar o mais esperto de todos, como foi o caso de Flora,
de “A Favorita”, interessante, não?
Eu afirmo que foi ousadia, porque em nosso país (mesmo com
tudo que há de corrupção, descaramento e mentiras na vida real) não se é
admissível que haja tamanha imperfeição no personagem que, supostamente, devia
lutar contra o mal, a favor do bem, e, se isso significa que ele deva apanhar
de todos outros personagens e ser enganado por todo mundo, não importa, “porque
no fim o bem sempre vencerá”. Certo, lindo discurso, linda teoria, etc. mas
discordo, e muito. Não vou ficar dando minhas razões que me fazem tomar esta
posição contraria ao pensamento comum visto que esse artigo não é sobre isso.
Então ela surgiu: Amora Campana, interpretada pela
meiguíssima Sophia Charlote, com todas as características do que não estávamos
acostumados a ver: uma menina linda, porém entojada; com um passado triste de
garotinha abandonada, mas que o renegava; decidida, contudo barraqueira (ei,
pera aí, isso todo mundo espera). O público, afirmaram alguns colunistas, ficou
“confuso”: COMO ESSA ENTOJADA PODIA SER A PROTAGONISTA? (venhamos e
convenhamos: a imprensa foi a primeira que disseminou a “confusão” quando, de
muitas formas e por diversos meios, refletia sua própria opinião como se
partisse do público). Antes de ir mais a frente, deixem-me explicar uma coisa
bem simples: o protagonismo numa trama é o papel central numa história, e esse
posto, não implica que, necessariamente, quem vai ocupa-lo será bonzinho, ou
que, se for, a história vai deixa-lo inalterável, isso depende de cada autor,
cabe a ele decidir o que fará.
Amora Campana demostrou que não era nenhuma flor que se
cheire, e desde o primeiro momento, os autores não queriam que o público sequer
simpatizasse com ela, aliás, vale dizer, a it-girl “mais badalada do país” não
tinha motivos para ser má: foi adotada, viveu numa boa casa e etc., tudo bem,
ela foi mesmo assim, porém, ela tinha boas razões: se defender da Lara; dar um
freio no vilão bad boy Fabinho, antes que ele transformasse a vida de todo
mundo no inferno (e, sendo uma anti-heroína, manipulou Socorro para que falsificasse
o exame de DNA), aí esse é o momento que meu leitor vai dizer: “Eu não
justifico essa mulher! Ela ignorava o passado, bem como a todos que fizeram
parte dele”, e é verdade: Amora fingia que não conhecia Renata, na Para Sempre,
depois que ficou rica. Aí eu replico: claro, ela é uma anti-heroína, e se tem
uma coisa que eu gosto nesses personagem é que seus defeitos o tornam mais
próximos do que chamamos, na ficção, de humanidade, isto é, o ser humano
independentemente de sua cultura, é composto por qualidades e defeitos que se
manifestam em grandes ou pequenas atitudes, por exemplo, ser altruísta é uma
enorme qualidade (que nem todos possuímos), por outro lado ser egoísta é, em
aspectos comuns, um pequeno defeito (compreendeu onde quero chegar?), portanto,
se Amora tinha, em pequena atitudes, um grau de egoísmo, saiba, que,
intimamente, cada um de nós temos... bem diferente daquela heroína abnegada,
disposta a renunciar seu grande amor em nome do “bem maior”.
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"Sangue Bom" fugiu do maniqueísmo |
“Sangue Bom” fugiu do maniqueísmo, dividiu seu público e
brincou com o nosso senso de justiça. Afinal, será que os fins não justificavam
os meios? Sentimentos malignos como inveja, ódio, entre outros, não deveriam
ser defeitos longe dos ditos mocinhos? Bento foi o clássico herói bonzinho e
integro que odiava o personagem Wilson por conta de um trauma do passado (que,
cá entre nós, foi mais por causa do orgulho ferido de Bento do que pela
expulsão do Kim Parque) e Malu, por sua vez, mesmo com o irritante discurso de
boa moça, uma vez ou outra revelava o que sentia pela irmã adotiva: inveja.
Mas, muitos de nós, preferimos ignorar isso visto que nenhum deles tomava
atitudes explicitas para envazar o que sentiam e, fosse porque eles eram os
mocinhos ou porque Amora fazia questão de ser nojenta, os justificamos e
crucificamos a anti-heroína por seus “atos vis, torpes e cruéis”.
“Sangue Bom” deixará saudade, não pelo fato de ter sido um
estrondoso sucesso de IBOPE (coisa que sequer chegou perto), mas para nos fazer
ver o outro lado da moeda de se torcer para um anti-herói: podemos,
simplesmente, odiá-lo e nem por isso os autores alteraram sequer uma virgula as
atitudes e defeitos de Amora, ou seja, não fizeram concessão com o
público.